Não perca a segunda parte desta entrevista ao nosso formador Xavier Melo. Conheça ainda as principais razões das taxas de obesidade infantil serem tão elevadas em Portugal e os seus projetos/ambições para 2017.

 
Formação Clínica das Conchas - Na sua opinião quais as principais razões para Portugal ser ainda um dos países da Europa com maior taxa de obesidade infantil? 
XM - Partindo da premissa que a promoção da saúde começa cedo na vida, as principais razões para a prevalência de obesidade infantil em Portugal estarão seguramente associadas com as políticas públicas, o exemplo dos pais e a partilha de práticas saudáveis em família, o ambiente físico, as escolhas alimentares, e o acesso a informação de qualidade. 
Portugal está na cauda da Europa no que respeita à mobilidade infantil [5], com consequências graves para a saúde pública e até para o aproveitamento escolar [6].São necessárias políticas que permitam às crianças brincarem e desfrutarem do espaço exterior, que permitam a convivência escolar, familiar e comunitária, e políticas urbanas que encarem as crianças como parte integrante e participante da sociedade.
Outra linha de ação política para combate à obesidade infantil são as sobretaxas às empresas de refrigerantes e bebidas açucaradas, que poderão ser usadas para financiar programas de exercício físico nas escolas, a par de uma redução no teor de açúcar nos cereais e bolachas em 5-15%, como foi lançado recentemente no Reino Unido.
Em Portugal, o Governo decidiu banir das instituições do Serviço Nacional de Saúde as máquinas automáticas com alimentos de elevado teor de açúcar e sal, e incluiu na proposta de Orçamento de Estado o “imposto do açúcar”, mas aparentemente isentando as bebidas açucaradas de produção nacional. Será o açúcar nacional diferente?!A publicidade a alimentos e bebidas com elevado teor de açúcar, gordura e sal a menos de 500 metros das escolas, assim como os anúncios a estes produtos antes e depois de programas infantis ou juvenis, também podem ter os dias contados em Portugal após a proposta de alteração do atual Código da Publicidade em nome do combate à obesidade infantil apresentado por várias bancadas parlamentares.
Outra luta antiga em Portugal prende-se com alternativas alimentares nas cantinas escolares que são alvo de objeções pelasautarquias que financiam as refeições escolares, ou das empresas, contratadas para fornecer refeições. A substituição da carne e do peixe usados na confeção de pratos tradicionais portugueses por opções vegetarianas é simples em muitos casos fica mais barata de acordo com o Diretor do Plano Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da Direção Geral de Saúde. Foi inclusive muito recentemente disponibilizado um manual de Alimentação Vegetariana em Idade Escolar [7] que junta às questões de saúde argumentos ambientais e económicos, defendendo o uso de legumes nacionais, locais, criando emprego e representando um menor impacto ambiental, por não exigir grandes distãncias para transporte dos alimentos.
Resta-nos ainda abordar a escola enquanto facilitadora da atividade física das crianças. Transmitir aos jovens a importância de uma vida fisicamente ativa, a par de outros comportamentos de saúde, vai muito para além da nota da disciplina de Educação Física contar para o acesso ao ensino superior. A atividade física e o desporto escolar têm de ser metas prioritárias dos departamentos de Saúde Escolar, inclusive nos recreios e mesmo fora do horário escolar, disponibilizando o acesso às instalações para atividades recreativas. 
Importantíssima ainda é a promoção do transporte ativo (a pé ou de bicicleta) para a escola. A criação de ROTAS SEGURAS PARA A ESCOLA deverá ter alicerces em dimensões complementares que vão desde a avaliação das rotas, a engenharia para alteração/construção de infraestruturas necessárias, a educação, o encorajamento e a fiscalização das práticas.Apesar de andar poder ser a forma mais acessível de transporte ativo, o uso da bicicleta para a escola pode contribuir para uma melhoria da aptidão física das crianças [8], e pode mesmo diminuir a reatividade cardiovascular e o stress percecionado quando a criança é confrontada com desafios cognitivos stressantes durante o dia na escola [9]. Estas abordagens podem ter importantes implicações em termos de saúde pública, uma vez que os benefícios observados nas intervenções precoces permanecem ao longo vários anos [10].
 
 
Formação Clínica das Conchas - Em termos profissionais, que projetos e ambições tem para o ano de 2017? 
XM - O ano de 2017 será seguramente um ano desafiante. Abracei muito recentemente um projeto audacioso e inovador do Ginásio Clube Português, que às finalidades desportivas, sociais e culturais no qual é referência nacional, expande-se agora para a investigação cientifica, na conceção, implementação e avaliação das intervenções de exercício físico, e identificação de mecanismos de ação do exercício físico,em parceria com o Centro Interdisciplinar de Estudo da Performance Humana da Faculdade de Motricidade humana – Universidade de Lisboa.A criação de conhecimento e compreensão através da ciência é crescentemente procurada para encontrar soluções para os desafios humanos, económicos e sociais emergentes, e estou confiante neste projeto.
Enquanto Docente do Ensino Superior e formador, ambiciono durante o próximo ano aumentar a minha participação para a compreensão pública da ciência, facilitando a ligação da ciência com a sociedade,contribuindo desta forma para uma sociedade onde as pessoas têm o conhecimento para fazer escolhas profissionais, pessoais e até políticas.
 
Referências bibliográficas:
5. Shaw, B., et al., Children’s Independent Mobility: an international comparison and recommendations for action. 2015, Policy Studies Institute: London-UK.
6. Sardinha, L.B., et al., Longitudinal Relationship between Cardiorespiratory Fitness and Academic Achievement. Med Sci Sports Exerc, 2016. 48(5): p. 839-44.
7. Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, Alimentação Vegetariana em idade Escolar. 2016, Direção geral de Saúde: Lisboa.
8. Cooper, A.R., et al., Longitudinal associations of cycling to school with adolescent fitness. Prev Med, 2008. 47(3): p. 324-8.
9. Lambiase, M.J., H.M. Barry, and J.N. Roemmich, Effect of a simulated active commute to school on cardiovascular stress reactivity. Med Sci Sports Exerc, 2010. 42(8): p. 1609-16.
10. Yang, L., et al., Interventions to promote cycling: systematic review. BMJ, 2010. 341: p. c5293.

 

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